domingo, 25 de maio de 2014

"Escrever: um trabalho de aventura e descoberta"





Entrevista com o escritor, jornalista e crítico literário brasileiro José Castello em sua primeira visita ao sertão para discutir literatura, em ocasião do Clisertão – Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura no Sertão. José Castello tem mestrado e graduação pela escola de comunicação da UFRJ, tendo passado por veículos de destaque da comunicação nacional como O Globo, Jornal do Brasil, O Estado de São Paulo, revista Veja, Isto É e Playboy, além de ter contribuído no jornal semanário Opinião e no suplemento literário Rascunho.


José Guimarães Castello Branco


M: Qual a impressão que o Clisertão deixou sobre a cultura literária aqui na região?
JC – Uma impressão muito boa, eu achei que a mesa foi bastante informal, o que eu acho importante nesses congressos. Quanto mais informalidade você consegue nas mesas melhor é o resultado. Às vezes eu vou a alguns congressos muito solenes, toca até o hino nacional, vai o prefeito, a primeira dama, aí fica um negócio tenso, horrível. Ninguém relaxa, ninguém tem coragem de perguntar. Eu já percebi que o astral do Clisertão é um astral bom, um astral relaxado. Tem gente da universidade, tem gente de fora da universidade, tem escritores, tem jornalistas, mas é um astral espontâneo, que te deixa mais livre. Eu acho que é a melhor forma para realizar um congresso desse tipo.

M: A gente acompanha aquele velho discurso de que o brasileiro não lê, que a literatura está na última instância, enfim, mas quando eu vou ver o balanço das editoras eu vejo que há um crescimento na leitura e, ao mesmo tempo, o Brasil vai mal na educação... Como você percebe isso?
JC – Eu acho que tem duas coisas muito positivas acontecendo nos últimos tempos. A primeira é essa explosão de feiras e festas literárias, de congressos literários que serve realmente para aproximar o leitor não só dos livros, mas também dos escritores e para desmistificar um pouco a figura do escritor. O escritor é uma mulher ou um homem de carne e osso como eles, com dúvidas, com hesitações... Não é uma pessoa acima do bem e do mal, não é nada disso. Então a expansão dessas feiras é muito benigna para a expansão da leitura. E a outra coisa que eu quero destacar é essa excelente política do governo federal de investir muito na compra de livros... Há quem diga que só isso não basta. Eu concordo que só isso não basta, mas isso é o primeiro passo. Se não tiver livro, não tem mais nada. Não adianta treinar o agente da leitura, não adianta treinar o professor, não adianta desenvolver novas técnicas, não adianta fazer feiras e festas literárias. Tem que ter o livro! Por isso, a política do governo federal de compras e distribuição de livros pelos municípios brasileiros é uma política fundamental nesse momento de criar aproximação do leitor com o livro.

M: Dentro desse panorama é preciso temer a internet como uma barreira ao livro físico?
JC – Não. De jeito nenhum. Isso é uma bobagem. Primeiro, a garotada nunca leu e escreveu tanto. Antes da era do computador era a era da televisão... Ficava todo mundo parado olhando para aquilo sem escrever, sem fazer nada. No computador, por mais estúpida que seja a mensagem que você está passando, você está lendo e escrevendo; você está lidando com a linguagem, com a palavra. Isso é fundamental. Achar que a internet vai acabar com o livro - eu até aceito a hipótese, embora não acredite muito nela – mas mesmo que ela acabe com o livro, ela não vai acabar com a literatura, só vai mudar a plataforma. Então, Dom Casmurro em livro e Dom Casmurro em E-book é o mesmo Dom Casmurro, não muda nada. Muda apenas a plataforma. Não muda a literatura. Pelo contrário, quanto mais plataforma novas surgirem, melhor para a literatura... Não tem que ficar vendo o livro como uma coisa sagrada. Agora, eu acho que o leitor estabelece com o livro uma relação de intimidade, de proximidade, que ele não estabelece com o E-book ou com o computador. Essa relação que o leitor tem com o livro eu considero essencial e acho que é isso que vai fazer o livro perdurar para sempre.

Pensando nas editoras, quais são as maiores dificuldades enfrentadas pelos novos escritores hoje?
JC – Hoje, infelizmente, eu acho que existe uma tendência negativa que é a formação de mega-grupos, dos monopólios. Veja, por exemplo, a editora Record... Ela não é só a Record. Ela tem a José Olympio, a Civilização Brasileira, a Difel, e outras. Então, isso não é muito bom. Essa tendência ao monopólio é muito ruim porque ela tira as particularidades que cada editora atual tem. Mas eu sou otimista em relação ao mercado editorial, mesmo sabendo que o escritor jovem terá sempre dificuldade, porque cada vez mais – de novo desmistificando a tese de que não se lê e de que não se escreve – mais pessoas estão escrevendo romances, crônicas, poemas. Eu sei porque eu participo de júri de concursos literários e são pilhas e pilhas de originais de todas as partes do Brasil. O que nós temos de mercado editorial ainda é pequeno para o volume de produção. Agora... Isso também é natural, porque há sempre aqueles materiais de maior qualidade. Não é assim: todo mundo que escreve publica! Essa triagem de qualidade existe em qualquer parte do mundo. Acho que cada editora tem que ter seus critérios editoriais, suas políticas editoriais, sempre visando à qualidade e segundo a sua perspectiva pessoal.

M: O jornal Rascunho, que é o mais antigo suplemento literário do país é uma raridade brasileira no que diz respeito a espaço de discussão da literatura brasileira. Com o aumento da produção brasileira, você acha que essa realidade deve mudar? Devem aparecer mais jornais para trabalhar com a crítica literária?
JC – Infelizmente, o que está acontecendo hoje é o contrário. Os grandes jornais estão diminuindo muito o seu espaço para livros e para a crítica literária. Existem exceções, por exemplo, O Globo, que tem o suplemento Prosa, que é um suplemento de grande qualidade. Contudo, ao mesmo tempo há o aparecimento de um espaço alternativo, que é, de novo, o espaço da internet, onde tem muita gente com muito site literário, com muito blog literário, produzindo muita opinião, muitos comentários, muita reflexão sobre a literatura. Tanto que você nem dá conta de ler tudo. Eu sei apenas que existem e mal tenho tempo de acessar.
M: Desde o ano passado tem sido pontuada a questão da biografia de Roberto Carlos e outros artistas. O que você acha dessa polêmica? Ela deve continuar?

JC – Essa polêmica é complicada. Por um lado, eu, em princípio, sou contra qualquer tipo de censura, em qualquer meio de comunicação e acho que a família não tem como censurar um livro porque esse livro não foi autorizado, uma biografia, no caso. Agora, por outro lado, eu entendo muito a posição dos artistas que se levantaram com esse movimento de regulamentar as biografias, porque existem muitas irresponsabilidades. Não é a maioria, nós temos grandes biógrafos no Brasil... Tem o Ruy Castro, tem o Fernando Moraes... Enfim, o Brasil formou uma geração de grandes biógrafos. Mas, existe também muita gente que faz biografia rapidamente só para ganhar dinheiro e até para propor um pouco de escândalo. Isso é muito ruim. Então, eu entendo que isso preocupe os artistas. Agora... Para isso existe a lei de que se você acha que tal livro está te deturpando, você pode questionar isso na justiça.
M: Como foi fazer a biografia de duas grandes figuras como Vinícius de Moraes e João Cabral de Melo Neto?

JC – O meu livro sobre o Vinícius é uma biografia clássica, ao estilo americano e inglês, que pretende contar a vida inteira do poeta, do seu nascimento até o seu momento de morte. O livro do João Cabral é um ensaio biográfico, no qual eu não pretendo contar a vida dele inteira. Eu pretendo apenas discutir literatura, discutir a poesia dele, sua vida diplomática, suas viagens com um recorte muito preciso. É diferente de biografia clássica. Os biógrafos têm essa idéia louca de querer contar tudo, o que é impossível. Bom... Fazer a biografia do Vinícius foi muito difícil porque eu comecei a trabalhar nos anos 90 e ele morreu em 80. E não havia nenhuma biografia dele publicada no Brasil. Então, eu parti do zero, como também no caso do João Cabral. Só que no caso do João Cabral, eu tive a oportunidade de conversar com ele, tive mais de vinte encontros com ele. Ele me recebia muito bem, gravei muita coisa. Já com o Vinícius, tive que fazer uma biografia a partir de depoimentos de terceiros e leitura de materiais de pesquisa, de cartas, de diários. Então, foram dois processos de trabalho inteiramente diferentes, resultando livros absolutamente diferentes. O livro de João Cabral talvez resulte num livro mais seco até pelo próprio temperamento dele, que era um homem mais sério, de poucas palavras, mais desconfiado. Vinícius era aquela figura totalmente devassada, fazia tudo em qualquer lugar, todo mundo sabia da vida dele, era um show-man.

M: E como foi para fazer o livro do Pelé?

JC – O livro do Pelé fazia parte de uma coleção da Ediouro de biografias breves, que não conta a vida inteira, conta apenas temas principais. Era uma coleção de biografias dedicadas a grandes nomes, e aí me convidaram para participar. Quando me apresentaram a lista de nomes - era uma lista imensa e lá no fim tinha o nome do Pelé -, aí eu comentei: “Bom, Pelé eu não vou nem escolher porque já deve ter um monte de gente querendo”. Mas enquanto tinha gente brigando por outros nomes, o Pelé não tinha ninguém. Aí eu falei: “Então eu quero”. E por que eu falei isso? Não só pela figura importantíssima que o Pelé é, o que ele representa para o país e para o futebol, mas por uma ligação minha desde pequeno com esse esporte. Nunca joguei, sou péssimo, e nunca pensei em escrever sobre futebol, mas sempre gostei muito. Sou torcedor do Fluminense. Fanático! Então, pensei que aquela era a chance de pagar essa dívida que eu tinha com o futebol. O livro se chama “Os Dez Corações do Rei” pelo seguinte: eu tentei entender quais seriam os dez motivos que levaram o Pelé a ocupar a posição de rei e ao mesmo tempo eu brinco com o nome da cidade em que ele nasceu (Três Corações).

M: Nós perdemos recentemente Gabriel Gárcia Maques. Seria o fim do realismo fantástico? Você acredita que esse estilo será repassado e quem são esses discípulos no Brasil?

JC – Eu não acredito muito nessas idéias de escolas literárias, de grupos e tendências literárias; de falar de realismo fantástico... É tudo muito perigoso. Cada escritor tem o seu caminho absolutamente particular, pessoal. É isso, inclusive, o que torna a literatura melhor. Quanto mais pessoal ela for, quanto mais particular ela for, quanto mais própria for sua maneira de escrever, melhor escritor você será. Então, a própria categoria de realismo fantástico, realismo mágico, sei lá, eu não dou muita importância. Acho que é mais uma coisa de professor que tenta juntar as pessoas num grupo para facilitar didaticamente. Quanto à questão de discípulos também é muito difícil dizer. É claro que todo mundo que leu muito o Gárcia Marques de alguma forma foi marcado por isso. Mas eu não me arriscaria dizer seguidores ou discípulos.

M: Nós tivemos, na década de 40, 50, uma questão de estereotipar as produções regionais. Ou seja, João Cabral de Melo Neto e Rachel de Queiroz são escritores regionalistas do Nordeste de uma mesma categoria. Hoje parece que está se desconstruindo isso. O que você acha dessa concepção?

JC – Falar do regionalismo do Nordeste e dizer que João Cabral e Rachel são escritores dessa escola do regionalismo é mais por uma questão geográfica, porque por uma questão literária a obra do João Cabral não tem nada a ver com a obra da Rachel. “Ah, porque fala do Nordeste em certos momentos”... Sim, fala. Mas e daí? Não quer dizer que seja uma obra que siga o mesmo caminho. Não segue! A obra da Rachel está num mundo completamente diferente da obra de João Cabral. São dois universos literários absolutamente diferentes. E é nisso que eu insisto: cada escritor, sobretudo quando se torna um grande escritor, segue o seu caminho particular de escrita. É por isso que ele se torna bom escritor. E você querer facilitar na escola e na universidade com essa idéia de escolas, de tendências, eu acho tudo muito forçado, muito artificial e perigoso.

Você tem alguma biografia em mente? Sonha em biografar alguém?

JC – Eu tive, durante muitos anos, o sonho de fazer a biografia de Clarice Lispector, mas depois de estudos biográficos muito bons sobre ela, eu perdi um pouco o interesse. Hoje, eu tenho a idéia de escrever um ensaio sobre a literatura da Clarice, mas aí não seria uma biografia, seria um ensaio literário.

M: Sobre o seu livro “Ribamar” que conquistou o prêmio Jabuti... É um romance ou uma biografia?

JC – É um livro que tem um pouco de compromisso com a memória, com a minha história, com a memória pessoal da minha infância, mas tudo isso retransformado e retrabalhado pela literatura. Não é uma biografia. Infelizmente, muita gente leu esse livro como uma biografia, já vi até em livraria esse livro na estante de biografias e eu vou lá e peço “Por favor, tire daqui, porque isso não é uma biografia, é um romance”. Na minha família eu tive muitos problemas. Várias pessoas ficaram brigadas comigo e estão até hoje porque leram e acharam que eu contei mentiras e que eu inventei coisas a respeito do meu pai, ou seja, não consideraram que foi uma recriação, um romance baseado em trabalhos de memória. A memória sempre é um dos elementos-chave de qualquer ficcionista, mas o biógrafo, o cara que escreve sua autobiografia, tenta trabalhar a memória com aquela obsessão pela verdade. Escritor não, escritor tenta transformar aquela memória para fazer uma invenção, e foi o que eu fiz. Eu não fui à Parnaíba para fazer uma reportagem ou um livro de história com H, da história do meu pai, da história do Brasil, da história do Nordeste. Eu fui para me impregnar daquela atmosfera do Nordeste, da região da Parnaíba e inventar. Todas as estórias que se passam nessa minha viagem à Parnaíba, no romance Ribamar, embora algumas tenham dívida com a memória, com a verdade, são todas inventadas. Eu fui para lá não como repórter, fui como ficcionista. Então, tem a figura do meu pai sim, tem a minha infância sim, tem vários elementos da minha vida, da minha sensibilidade, da minha maneira de ser o homem que sou, mas sempre transformados e trabalhados... É um livro de ficção e eu tenho que ficar dizendo isso. Estou há 3 anos dizendo isso!

M: O jornalismo foi, de fato, a tua ponte para a literatura? Qual a sua relação com a área?

JC – Eu já gostava desde menino. Tanto que chegou a época do vestibular e eu pensava em fazer vestibular para Letras. Estava me preparando para isso. Só que eu tinha um professor de literatura muito bom, José Rodrigues, que gostava muito de mim e um dia ele me chamou para conversar e me perguntou: “Qual vestibular você vai fazer?”. Eu falei: Letras. E ele perguntou: “Por quê?”, aí eu disse: “porque eu quero ser escritor”. Então ele falou: “Olha, se você quer ser escritor, a última coisa que você deve fazer é vestibular para Letras”. Eu levei um golpe e perguntei “Por quê?”. Ele disse: “porque você vai encher sua cabeça de teses, de teorias, de resumos históricos e na hora que você for tentar escrever você não vai conseguir”. Aí eu falei pra ele: “Tá bom, então o que eu faço?”. Ele disse: “Vou dar um palpite... Faz jornalismo”. Eu perguntei: “Por quê?”, e ele colocou dois motivos. Primeiro porque você vai escrever todos os dias. Por mais que seja um texto burocrático, padronizado, você vai ter contato com a palavra todo dia. E depois, e mais importante, porque você vai se jogar na realidade... Eu fui repórter de polícia, de cidade, de política, então eu conheci muitos personagens e vivi muitas situações que, se eu não fosse repórter, não teria vivido. E isso tudo enriquece existencialmente, amplia tua visão do mundo. Então, eu acho que nesse sentido foi muito bom. Agora eu não acho que você tenha que ser jornalista para ser escritor. Aconteceu comigo. Não é uma regra. Existem muitos caminhos e, de novo, a questão é: cada um segue o seu caminho.

M: Você é a favor ou contra a exigência do diploma do jornalista?

JC – Essa é outra questão polêmica. Eu, em princípio, sou contra a obrigação do diploma. Eu acho que se você é formado em economia e foi um ótimo aluno de economia, você tem muito mais chances de ser um ótimo repórter de economia do que eu que não entendo nada do assunto. Fiz minha escola de comunicação e não tive uma cadeira se quer de economia. Então, eu acho que você não pode fechar. Agora também não sou a favor do fechamento das escolas de jornalismo. Eu acho que as escolas de jornalismo têm um papel a cumprir muito importante, mas esse papel não tem sido cumprido da forma que seria legal, porque eu acho que a base das escolas de jornalismo deveria ser a idéia do laboratório de jornalismo. O jornalismo em contato com a realidade. Deveria trabalhar reportagens e, claro, ter aulas teóricas. Por exemplo, algo que eu acho muito importante - que, aliás, eu não tive também e que deveria ter - é aula de História do Brasil. É uma disciplina fundamental para formar um bom jornalista. Jornalista trabalha com a informação. A escola deveria dar informação, mas aí fica dando lingüística, epistemologia, semiótica, coisas que servem praticamente para nada no jornalismo.

M: Qual o bônus e o ônus da crítica literária?

JC – Aos 63 anos eu tenho começado a aceitar com dificuldade isso, porque eu sou um crítico literário, mas continuo a achar que não sou. Eu acho que o crítico literário, embora pratique o que chama de crítica literária, é o cara que faz um percurso teórico da literatura e depois tem contato com a produção literária para então aplicar toda essa bagagem teórica na leitura de uma obra. Nós temos grandes críticos literários da universidade, Silviano Santiago, Beatriz Rezende, João Cesar de Castro, que são nomes de cada vez mais importância na academia brasileira, fazendo críticas literárias nessa perspectiva clássica. Minha graduação foi em jornalismo e minha pós também, então eu não tenho se quer graduação em Letras ou em alguma categoria literária. Então, quando eu leio um livro é como se eu fizesse uma viagem à Índia e depois fosse escrever para o leitor o que eu vi, o que eu senti, o que me tocou, o que me perturbou naquela viagem, que no caso não é a Índia, é o livro. É como escrever uma espécie de carta ao leitor sobre o que me ficou da leitura desse livro. Tanto que eu faço crítica normalmente em primeira pessoa, o que a crítica clássica considera uma coisa inaceitável. Eu conto coisas pessoais no meio de minhas críticas, chego até a contar sonhos. Enfim, a crítica literária que eu faço... Tá bom... Chamem de crítica literária. Talvez seja outra forma de fazer crítica literária, mas ela é muito mais uma viagem do que qualquer outra coisa.

M: Em relação às premiações de literatura no Brasil. Você conquistou dois Jabutis. O que você acha dessas premiações? Elas realmente são importantes, são monopolizadas? O que ocorre?

JC – Elas são importantes. Eu acho que o escritor leva uma vida muito solitária. Você está escrevendo um livro – eu mesmo estou trabalhando o meu terceiro romance e a cada minuto eu mudo de opinião em relação ao que estou escrevendo – às vezes eu acho que está bom, às vezes acho que está horrível. Então, o escritor, como qualquer outro artista, precisa do olhar do outro para legitimar o que fez. O prêmio é muito importante nesse sentido, pois ele te dá esse olhar do outro. Além disso, ele te dá o dinheiro que te ajuda a parar um tempo de trabalhar com outras coisas para escrever mais. Porque os escritores brasileiros em sua maioria levam uma vida dupla. O cara é engenheiro e escritor; advogado e escritor, jornalista e escritor... Os que são apenas escritores você conta nos dedos de uma mão. Então, o prêmio também ajuda nesse sentido. E os prêmios brasileiros são muito sérios. Eu participei de várias bancas de prêmios diferentes, do Portugal Telecom, do Prêmio São Paulo, Prêmio Brasília, enfim... Todos são feitos com muita seriedade. Eu não tenho dúvida.

O que é a arte de escrever para você?

JC – Escrever é perguntar a respeito do mundo. É formular perguntas a respeito do mundo. Não é repostas. Estou falando na posição de escritor. O biólogo, se ele escreve um ensaio de biologia, quer responder alguma coisa, o físico também; o escritor não... O escritor não quer responder, quer perguntar. A função da literatura é expandir o universo de dúvidas. É ampliar o olhar que as pessoas têm a respeito do mundo. Então, escrever para mim é, antes de tudo, fazer perguntas. É descobrir novos olhares sobre o mundo, é tentar contar histórias que nunca foram contadas. Esse é o ideal de todo escritor. É um trabalho de aventura e descoberta. Você não sabe onde vai chegar, mas você quer descobrir terras novas, novas perspectivas, novos olhares. Então, não existe isso de “Ah, vou ler um livro de fulano para viver melhor”. Mentira! Literatura não ajuda a viver melhor. Literatura amplia a tua inquietação diante do mundo e amplia a tua visão sobre o mundo.

Texto: Emanuel Andrade

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